Salário ruim, produto pior ainda…

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Aug 31, 2012
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Salários baixos e falta de investimento levam à degradação da qualidade do jornalismo
Um post do jornalista Ron Greenslade no Guardian revelou que quase 1/4 dos jornalistas na Inglaterra ganha menos de £20 mil por ano (o que daria cerca de R$5 mil mensais, em valores brasileiros), um salário baixo para o custo de vida na Grã-Bretanha, mesmo vivendo fora da caríssima Londres. O escândalo recente envolvendo a News Corporation (mais especificamente os jornais News of the World e* The Sun) *não deixa dúvida sobre uma degradação na qualidade do produto jornalístico oferecido mesmo em mercados mais sofisticados, como o britânico. Uma longa série de causas para esse declínio de qualidade podem ser trazidos à tona (como fez brilhantemente o jornalista Nick Davies no excelente livro Flat Earth News). Mas a levantada por Ron Greenslade é a mais simples e óbvia - ululante, como diria o centenário Nelson Rodrigues: os jornais vêm piorando a qualidade do seu produto há décadas pagando cada vez menos aos seus funcionários. Agora, com a tempestade digital, os jornais montam sua defesa exatamente com a qualidade que estão sangrando há décadas.
O fenômeno é global. As últimas três décadas apresentam uma diminuição no salário médio do jornalista no mundo todo, assim como a quantidade de jornalistas contratados. Nos Estados Unidos, um repórter ganha menos do que um trabalhado americano médio. Como Davies fala em seu livro, a idade média das redações despencou e jornalistas recém-formados e estagiários foram jogados aos leões para cuidar de matérias espinhosas. Checagem de fatos é uma prática abandonada nas redações e a dependência da reprodução do material recebido de agências transformou o jornalismop global em churnalism, para usar um termo usado por Davies,
No caso do Brasil, além de tudo isso, existe o problema educacional, onde a quantidade de entidades habilitadas a vender diplomas explodiu, jogando no mercado cerca de 40-50 mil profissionais novos por ano, a esmagadora maioria deles com falhas graves que se iniciam já no falido ensino fundamental, cujos dados de evolução têm muito mais a ver com manipulação de dados estatísticos do que com melhoras nos sistemas de ensino.
Momentos de expansão econômica são aqueles em que, obrigatoriamente, companhias e governos precisam investir dinheiro para criar bases sólidas, porque crises têm duas características: são cíclicas e inevitáveis. O faturamento das empresas de informação foi crescente por décadas, mas jamais houve investimento. Empresas que hoje estão se arrastando brandindo a tradição de tempos passados como seu maior asset estão fadadas a sumir.
Revalorizar o jornalista é um dos pilares da recuperação das empresas que queiram continuar vivas, mas fazer isso num momento de estresse financeiro é infinitamente mais difícil do que teria sido num outro cenário. A pressão das mudanças tecnológicas que fragmentaram o cenário de fontes de informação, o endividamento das grandes empresas (como o Washington Post, por exemplo) e a falta de versatilidade que as empresas têm para reverter suas culturas são os pilares da catástrofe que jaz à frente.
No Brasil, teoricamente, os pisos salariais giram entre R$863 (que por si só já seria vergonhoso) e R$2.337, mas quem está no mercado sabe que a tabela da FENAJé letra morta. Ofertas de salários por poucas centenas de reais são mais que frequentes. Com profissionais experientes, bem formados e bem pagos, enfrentar o ataque digital já seria difícil, mas possível, porque a diferença de material feito por bons profissionais e amadores ainda oferece algum vantagem. Sem isso, resta pouco a fazer além de rezar.

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