Não há outro cenário para a sobrevivência do jornalismo além da inovação

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Apr 13, 2013
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A necessidade de transformação diante de um modelo em declínio e a resistência à mudança tecnológica são os muros depois da próxima curva…
O jornalismo hoje vive um momento esquizofrênico. Apesar de viver de um modelo de negócios decadente, ter sido sucateado por décadas pelos executivos da indústria, e formar seus profissionais num sistema educacional falido, que não presta contas a ninguém e insiste em viver absolutamente distante da realidade, seu status quo berra contra mudanças tecnológicas que vão “diminuir o valor do jornalista”. Essa esquizofrenia conveniente e hipócrita simplesmente cria um atrito que tornará mais doloroso um processo inevitável.
Através da história, avanços tecnológicos sempre chegam no colo da desconfiança, do desdém e da negação. Isso, quando não vem seguida por perseguições inquisitórias que proclamam o final dos tempos. O ser humano não é programado para aceitar mudanças, especialmente quando elas colocam em risco sua zona de conforto ou implicam em se relacionar com o medo do desconhecido.
O argumento de que as tecnologias estão depreciando o valor do jornalista é hipócrita e falacioso. O jornalismo como profissão vem sendo depreciado há décadas - particularmente no Brasil. Uma olhada na tabela de piso salarial da Federação Nacional de Jornalistasdeixaria isso bem claro, se não fosse o porém de que a ideia de piso salarial para a categoria no Brasil é uma formalidade nunca cumprida. Um trabalhador braçal em São Paulo ganha mais do que o piso de jornalista na maior parte do Brasil. Claro, sem falar que raramente um jornalista no Brasil tem o privilégio do registro formal, com o obsceno regime do “freelance fixo” (uma distorção que nenhum país além do Brasil poderia proporcionar, onde o jornalista trabalha como pessoa jurídica) reinando livre nas redações. Ah, isso sem falar em “iniciativas” nas quais indivíduos (jornalistas ou não) ofereçam textos a valores próximos de R$1. Trazer a depreciação da profissão à tona agora é uma combinação de ingenuidade, hipocrisia ou falta de inteligência.
Apesar de um quadro tão cinzento, quando inovações tecnológicas são propostas, são invariavelmente atacadas por tradicionalistas que não as dominam - tanto nas redações quanto na academia, defendendo o suposto “jornalismo de qualidade”, expressão simples de imaginar, mas difícil de estabelecer com critérios práticos. Enquanto isso, vivenciamos níveis criminosos na qualidade de educação, indo da alfabetização até a venda de diplomas e outras titulações.  E enquanto infrutífera discussão sobre no que consiste a “qualidade” segue forte, pouca gente tenta abordar o problema da falência do modelo de negócios do jornalismo em suas raízes. As discussões e posições supostamente contestadoras são em sua grande maioria uma batalha de egos.
A era da informação tem um problema inerente herdado do mundo pós-industrial - a escala. Qualquer iniciativa hoje, antes de mais nada, precisa ser capaz de atender o primeiro e o bilionésimo cliente mantendo o mesmo custo e a mesma eficiência. As empresas noticiosas enfrentam, em sua maioria, um problema de gerenciamento desta escala. As estruturas atuais são custosas porque pensadas para públicos massivos, mas as demandas se fragmentaram em nichos, tanto geograficamente quanto nas suas necessidades (aumento da quantidade de categorias, busca por conteúdo hiperlocal). Para as grandes corporações noticiosas, é mais viável atender dez milhões de pessoas do que dez mil. A cauda longa do famoso livro de Chris Anderson é um vírus letal para o modelo jornalístico tradicional.
Nenhuma alteração legal, subsídio ou promoção vai recuperar as receitas que foram perdidas pelo impresso. Elas não deixaram de existir - só não estão sendo faturadas. O único modo possível para o jornalismo é o de atravessar uma transformação que refaça os fluxos de produção de notícia. Isso não é simples nem será adotado de uma hora para outra. Reformulações completas das redações (inclusive na natureza das funções dos profissionais), adoção de novas tecnologias (crowdsourcing, análise de big data, adequação de conteúdo gerado em redes sociais, ) e principalmente um novo posicionamento do jornalista em relação ao leitor e à prática jornalística em si se combinam no caminho para novas soluções.
Hoje, não é possível saber nem se os itens acima bastarão nem como novas tecnologias virão a afetar a busca dessas soluções nem o tempo que um novo modelo de negócios precisará para se consolidar. A única constatação possível é a que o atual não funciona mais. Quanto antes começarmos a procurar, maior a possibilidade de que ele seja desenhado mais rápido.

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